A outra equipe concorrente de reportagem que se encontrava no local, nos disse: não se aproximem das grades, pois já veio aqui um parente totalmente descontrolado e nos agrediu... Enquanto isso moradores do prédio, gritavam pelas janelas: "seus urubus, carniceiros, vocês não têm coração, não tem família…. Parem de filmar e fotografar"…
Foi ai que um sargento do corpo de bombeiros nos pediu gentilmente para que ficássemos do outro lado da rua até que a equipe de paramédicos pudesse conter o desespero daquele pai e da família.
Seguimos a orientação, e nos afastamos das grades. Ficamos do outro lado da rua, num canteiro gramado, de baixo de uma árvore. Nisso vinham chegando mais e mais equipes da imprensa… E nós que tínhamos como objetivo noticiar aquele trágico acidente, nos perguntávamos uns aos outros: qual seria sua reação numa situação dessas se fosse um parente seu?
Lembro que um cinegrafista disse: "se não tem coragem para encarar um fato desses, muda de profissão"... o silêncio tomou conta da roda de jornalistas, entre repórteres, cinegrafistas e fotógrafos… o que se deduziu que a maioria estava contra o infeliz comentário do colega.. Porque na verdade, não era bem assim… cobrir o fato era claro que teríamos que cobrir… pois muitos de nós já estávamos acostumados a fazer esse tipo de pauta. O que estava nos afligindo era desespero daquele pai tentando reanimar o filho, nos deixando impotentes, pois a nossa missão como jornalistas estava sendo cumprida, mas o nosso sentimento de emoção de ser humano como qualquer outro, nos tocou muito com a cena. Fazendo com que todos ficassem com os olhos cheios de água e com a voz embargada…
Quando a perícia chegou ao local, o comandante do Corpo de Bombeiros veio até nós e disse : assim que a perícia fizer o trabalho dela, "vocês poderão entrar no local para fazer imagens". Nesse meio tempo já encostou um carro da funerária e a aglomeração de curiosos e moradores que iam chegando ao edificio tomou conta da rua e da calçada.
Bom, fotografei o que deu, o pai da vítima de costas sendo amparado pelos bombeiros… a movimentação dos moradores tentando tampar com lençóis brancos as grades para que ninguém pudesse registrar o corpo da criança no chão, as marcas de sangue… a tela da janela do 13º andar de onde o menino Gabriel caiu.... Em fim o mesmo que meus colegas de imprensa conseguiram.
Passado alguns minutos, muitos colegas começaram a ir embora, dizendo pra mim já deu. Eu e minha colega ainda permaneciamos no local. Nisso o editor-chefe do jornal me ligou e disse: "vem embora, traz o que tiver"… eu disse, "daqui a pouco vão retirar o corpo do local, vamos esperar para registrar ou não"…ele disse não … senti um alívio , por que na verdade essa imagem já não seria necessária , depois de ter já registrado o desespero daquele pai inconsolável por ter visto o seu anjinho sem vida.
Amparim Lakatos
Foto: Deurico Brandão |
Poço de Misericórdia
ResponderExcluirProcuro um poço de misericórdia
Que tenha água em abundância
Para saciar a sede do meu povo.
Na terra onde nasceu
O gado não muge mais.
O jagunço do inferno fugiu,
Entre a caatinga e os cactos sem espinhos.
Oh, Deus! Procuro um poço de misericórdia
Onde eu possa umedecer o meu rosto
Que agora chora lágrimas secas
Molhando meus olhos de vergonha.
O sol escalda a coragem do meu povo
Secando a última gota de suas almas:
“Sal e lama, cobertores sem cama”.
Que nossos mártires não olhem para trás
Para que não fiquem presos no tártaro!
Dos nossos açudes queremos água,
Em nosso sertão queremos a paz,.
Pois é do sangue e da guerra
Que se alimentam os ditadores.
Procuro um poço de misericórdia...
*Do livro “O Anjo e a Tempestade”
( Agamenon Troyan )