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terça-feira, 8 de novembro de 2011

Urubus, mas com sentimentos

Durante a cobertura de um suposto suicídio de um garoto de apenas 12 anos, a imprensa ficou chocada pelo desespero de um pai. Lembro-me de que quando chegamos ao local do fato ocorrido, já estavam algumas equipes de jornalistas com olhares apreensivos. Fui juntamente com minha colega Mayara Sá, saber sobre do ocorrido. Estávamos num edifício de classe média alta em Campo Grande, onde se encontrava uma guarnição do Corpo de Bombeiros tentando acalmar a família do garoto. Quando nos aproximamos das grades do edifício nos chocamos com a cena de um pai desesperado tentando reanimar seu filho, já coberto com um lençol branco.

A outra equipe concorrente de reportagem que se encontrava no local, nos disse: não se aproximem das grades, pois já veio aqui um parente totalmente descontrolado e nos agrediu... Enquanto isso moradores do prédio, gritavam pelas janelas: "seus urubus, carniceiros, vocês não têm coração, não tem família…. Parem de filmar e fotografar"…

Foi ai que um sargento do corpo de bombeiros nos pediu gentilmente para que ficássemos do outro lado da rua até que a equipe de paramédicos pudesse conter o desespero daquele pai e da família.

Seguimos a orientação, e nos afastamos das grades. Ficamos do outro lado da rua, num canteiro gramado, de baixo de uma árvore. Nisso vinham chegando mais e mais equipes da imprensa… E nós que tínhamos como objetivo noticiar aquele trágico acidente, nos perguntávamos uns aos outros: qual seria sua reação numa situação dessas se fosse um parente seu?

Lembro que um cinegrafista disse: "se não tem coragem para encarar um fato desses, muda de profissão"... o silêncio tomou conta da roda de jornalistas, entre repórteres, cinegrafistas e fotógrafos… o que se deduziu que a maioria estava contra o infeliz comentário do colega.. Porque na verdade, não era bem assim… cobrir o fato era claro que teríamos que cobrir… pois muitos de nós já estávamos acostumados a fazer esse tipo de pauta. O que estava nos afligindo era desespero daquele pai tentando reanimar o filho, nos deixando impotentes, pois a nossa missão como jornalistas estava sendo cumprida, mas o nosso sentimento de emoção de ser humano como qualquer outro, nos tocou muito com a cena. Fazendo com que todos ficassem com os olhos cheios de água e com a voz embargada…

Quando a perícia chegou ao local, o comandante do Corpo de Bombeiros veio até nós e disse : assim que a perícia fizer o trabalho dela, "vocês poderão entrar no local para fazer imagens". Nesse meio tempo já encostou um carro da funerária e a aglomeração de curiosos e moradores que iam chegando ao edificio tomou conta da rua e da calçada.

Bom, fotografei o que deu, o pai da vítima de costas sendo amparado pelos bombeiros… a movimentação dos moradores tentando tampar com lençóis brancos as grades para que ninguém pudesse registrar o corpo da criança no chão, as marcas de sangue… a tela da janela do 13º andar de onde o menino Gabriel caiu.... Em fim o mesmo que meus colegas de imprensa conseguiram.

Passado alguns minutos, muitos colegas começaram a ir embora, dizendo pra mim já deu. Eu e minha colega ainda permaneciamos no local. Nisso o editor-chefe do jornal me ligou e disse: "vem embora, traz o que tiver"… eu disse, "daqui a pouco vão retirar o corpo do local, vamos esperar para registrar ou não"…ele disse não … senti um alívio , por que na verdade essa imagem já não seria necessária , depois de ter já registrado o desespero daquele pai inconsolável por ter visto o seu anjinho sem vida.

Amparim Lakatos


Foto: Deurico Brandão


Um comentário:

  1. Poço de Misericórdia

    Procuro um poço de misericórdia
    Que tenha água em abundância
    Para saciar a sede do meu povo.

    Na terra onde nasceu
    O gado não muge mais.
    O jagunço do inferno fugiu,
    Entre a caatinga e os cactos sem espinhos.

    Oh, Deus! Procuro um poço de misericórdia
    Onde eu possa umedecer o meu rosto
    Que agora chora lágrimas secas
    Molhando meus olhos de vergonha.

    O sol escalda a coragem do meu povo
    Secando a última gota de suas almas:
    “Sal e lama, cobertores sem cama”.

    Que nossos mártires não olhem para trás
    Para que não fiquem presos no tártaro!

    Dos nossos açudes queremos água,
    Em nosso sertão queremos a paz,.
    Pois é do sangue e da guerra
    Que se alimentam os ditadores.

    Procuro um poço de misericórdia...


    *Do livro “O Anjo e a Tempestade”
    ( Agamenon Troyan )

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